Entrevista do Dr. Drauzio Varella com Dr. Wilson Jacob Filho, médico e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Retirada do site do Dr. Drauzio Varella: http://www.drauziovarella.ig.com.br/
No início do século XX, na Europa desenvolvida, a expectativa de vida ao nascer andava ao redor dos 40 anos. Naquele tempo, homem ou mulher que atingissem essa idade provavelmente estariam se aproximando do final de suas vidas. Hoje, aos 40 anos, eles são considerados jovens. A expectativa de vida praticamente dobrou nesses países no decorrer do século XX e isso trouxe consigo uma série de problemas socioeconômicos. São muitos os que chegam aos 70, 80 anos em condições físicas, às vezes, muito boas, mas aposentados desde os 50 anos, obrigando a Previdência Social a manter o pagamento dos benefícios por um período que não havia sido previsto. Morrer mais tarde criou também problemas sérios no relacionamento familiar, especialmente no que se refere a como lidar com um parente de idade mais avançada. Atualmente, difícil a família que não tenha alguém com 70, 80 anos em condições físicas nem sempre ideais. No entanto, não são poucas as pessoas que envelhecem e chegam aos 80 em plena atividade sem passar pelo processo de decrepitude física e intelectual que tanto nos assusta.
Retirada do site do Dr. Drauzio Varella: http://www.drauziovarella.ig.com.br/
No início do século XX, na Europa desenvolvida, a expectativa de vida ao nascer andava ao redor dos 40 anos. Naquele tempo, homem ou mulher que atingissem essa idade provavelmente estariam se aproximando do final de suas vidas. Hoje, aos 40 anos, eles são considerados jovens. A expectativa de vida praticamente dobrou nesses países no decorrer do século XX e isso trouxe consigo uma série de problemas socioeconômicos. São muitos os que chegam aos 70, 80 anos em condições físicas, às vezes, muito boas, mas aposentados desde os 50 anos, obrigando a Previdência Social a manter o pagamento dos benefícios por um período que não havia sido previsto. Morrer mais tarde criou também problemas sérios no relacionamento familiar, especialmente no que se refere a como lidar com um parente de idade mais avançada. Atualmente, difícil a família que não tenha alguém com 70, 80 anos em condições físicas nem sempre ideais. No entanto, não são poucas as pessoas que envelhecem e chegam aos 80 em plena atividade sem passar pelo processo de decrepitude física e intelectual que tanto nos assusta.
Drauzio - É possível existir um envelhecimento saudável?
Wilson - Não só é possível, como hoje é nosso objetivo encontrar os caminhos que levam ao envelhecimento saudável. Na verdade, ele é produto de várias ações que culminam com a expectativa de vida alongada, mas em condições de exercer todos os papéis que o indivíduo exercia ou gostaria de exercer dentro da sociedade. O envelhecimento saudável impõe não só boa condição física e mental, como também a inclusão social que lhe permita desempenhar tais funções.
Drauzio - O conceito de velhice variou com o tempo. Machado de Assis, por exemplo, em obras escritas há pouco mais de cem anos, referia-se ao velho de 50 anos, quando atualmente homens de 60 praticam "windsurf". Existe um conceito médico que caracterize a velhice?
Wilson - O conceito etário, isto é, exclusivamente baseado na idade cronológica, é no mínimo temporário e vai se modificando com o passar do tempo, tanto que a Organização Mundial de Saúde reconhece não só o idoso, mas criou uma nova terminologia, "muito idoso" ou "very old", para designar o indivíduo que chega aos 80 ou 85 anos de idade.
Drauzio - Segundo o critério da OMS, quem é idoso?
Wilson - Nos países desenvolvidos, é o indivíduo a partir dos 65 anos e, nos países em desenvolvimento, a partir dos 60 anos. No Brasil, portanto, é classificado como idoso quem completa 60 anos de vida. Como se trata de um critério arbitrário, buscamos determinar uma condição funcional através da qual se consiga identificar as possibilidades de cada pessoa em cada faixa etária e entender se são normais ou estão agravadas por algum processo patológico. Delimitar essa condição é fundamental para que se possa afastar de vez o fantasma de que o idoso tem obrigatoriamente limitações funcionais exuberantes e que aos jovens seja imputada uma capacidade funcional absolutamente excepcional. Esses extremos próprios da visão popular são maléficos e prejudiciais para os dois segmentos etários.
Drauzio - Há 50 anos, o paradigma da medicina era aconselhar as pessoas de mais idade a fazerem repouso. Era clássica a imagem do velho de pijama, sentado na poltrona da sala, sem fazer qualquer esforço, sem andar, sem ir sequer à padaria. Esse paradigma foi totalmente rechaçado pela medicina atual.
Wilson - Não só rechaçado como também contrariado. Hoje, entendemos que o envelhecimento ativo conduz ao envelhecimento saudável. Na verdade, essas expressões são quase sinônimas quando empregadas na literatura e nas recomendações cotidianas. O envelhecimento ativo prioriza a atividade física não só após o indivíduo ter atingido faixa de idade mais avançada, mas durante todo o processo. Não se admite mais um período de sedentarismo em que a atividade física seja interrompida por volta dos 20, 25 anos, quando ele se torna um profissional atuante e só seja retomada mais tarde, como forma de tratamento porque já adoeceu. Além disso, é importante manter atividade social, profissional, afetiva e amorosa em todos os sentidos. O idoso precisa compreender que só pertencerá à comunidade se agir como ela age. Caso contrário, será dela excluído naturalmente.
Wilson - Não só é possível, como hoje é nosso objetivo encontrar os caminhos que levam ao envelhecimento saudável. Na verdade, ele é produto de várias ações que culminam com a expectativa de vida alongada, mas em condições de exercer todos os papéis que o indivíduo exercia ou gostaria de exercer dentro da sociedade. O envelhecimento saudável impõe não só boa condição física e mental, como também a inclusão social que lhe permita desempenhar tais funções.
Drauzio - O conceito de velhice variou com o tempo. Machado de Assis, por exemplo, em obras escritas há pouco mais de cem anos, referia-se ao velho de 50 anos, quando atualmente homens de 60 praticam "windsurf". Existe um conceito médico que caracterize a velhice?
Wilson - O conceito etário, isto é, exclusivamente baseado na idade cronológica, é no mínimo temporário e vai se modificando com o passar do tempo, tanto que a Organização Mundial de Saúde reconhece não só o idoso, mas criou uma nova terminologia, "muito idoso" ou "very old", para designar o indivíduo que chega aos 80 ou 85 anos de idade.
Drauzio - Segundo o critério da OMS, quem é idoso?
Wilson - Nos países desenvolvidos, é o indivíduo a partir dos 65 anos e, nos países em desenvolvimento, a partir dos 60 anos. No Brasil, portanto, é classificado como idoso quem completa 60 anos de vida. Como se trata de um critério arbitrário, buscamos determinar uma condição funcional através da qual se consiga identificar as possibilidades de cada pessoa em cada faixa etária e entender se são normais ou estão agravadas por algum processo patológico. Delimitar essa condição é fundamental para que se possa afastar de vez o fantasma de que o idoso tem obrigatoriamente limitações funcionais exuberantes e que aos jovens seja imputada uma capacidade funcional absolutamente excepcional. Esses extremos próprios da visão popular são maléficos e prejudiciais para os dois segmentos etários.
Drauzio - Há 50 anos, o paradigma da medicina era aconselhar as pessoas de mais idade a fazerem repouso. Era clássica a imagem do velho de pijama, sentado na poltrona da sala, sem fazer qualquer esforço, sem andar, sem ir sequer à padaria. Esse paradigma foi totalmente rechaçado pela medicina atual.
Wilson - Não só rechaçado como também contrariado. Hoje, entendemos que o envelhecimento ativo conduz ao envelhecimento saudável. Na verdade, essas expressões são quase sinônimas quando empregadas na literatura e nas recomendações cotidianas. O envelhecimento ativo prioriza a atividade física não só após o indivíduo ter atingido faixa de idade mais avançada, mas durante todo o processo. Não se admite mais um período de sedentarismo em que a atividade física seja interrompida por volta dos 20, 25 anos, quando ele se torna um profissional atuante e só seja retomada mais tarde, como forma de tratamento porque já adoeceu. Além disso, é importante manter atividade social, profissional, afetiva e amorosa em todos os sentidos. O idoso precisa compreender que só pertencerá à comunidade se agir como ela age. Caso contrário, será dela excluído naturalmente.
Drauzio - Que tipo de benefício traz manter a atividade física no decorrer de toda a vida e especialmente depois dos 60 anos?
Wilson - A atividade física faz com que o organismo adapte-se a um patamar maior de exigência e de capacidade de resposta. Se olharmos o envelhecimento como um processo contínuo que vai da fase de desenvolvimento máximo até o fim da vida, veremos que ele se caracteriza pela limitação, pela perda progressiva da capacidade de adaptar-se, de responder a uma sobrecarga, seja do cotidiano - correr, subir uma escada, carregar um peso - seja uma sobrecarga artificial ou incomum, como uma doença ou condições climáticas excepcionais. Por isso, a gripe preocupa mais nos idosos do que nos jovens e uma onda de calor mata mais os velhos do que os moços. Na medida em que a atividade física faz com que a pessoa, apesar da idade mais avançada, consiga preservar a capacidade de adaptação funcional, seu organismo terá respostas mais próximas das encontradas nos indivíduos de menos idade, isto é, preserva-se a capacidade de dar resposta à demanda funcional.
Drauzio - Vamos considerar três décadas distintas: dos 60 aos 70, dos 70 aos 80 e acima dos 80 anos. Qual o tipo de atividade física indicada para cada uma dessas faixas etárias?
Wilson - Sua pergunta mostra a evolução do conhecimento sobre esse período da vida. Houve época em que a atividade física ideal para o idoso era nenhuma. Ele deveria ficar em repouso para preservar-se dos eventuais riscos que os exercícios pudessem trazer.
Drauzio - E para morrer do coração mais depressa.
Wilson - Do coração, de tédio ou de outra forma de doença agravada pela imobilidade. Depois, imaginou-se que o indivíduo deveria fazer exercícios que preservassem sua capacidade cardiocirculatória. Nos anos 1970, vivemos a onda dos exercícios aeróbios como os grandes responsáveis pela prevenção de doenças cardiovasculares. Já os anos 1990 e o início do século XXI mostraram que são os exercícios de força que fazem a diferença quando se fala na capacidade funcional do idoso e na prevenção de boa parte das doenças comuns nessa faixa etária. Recentemente, numa entrevista, o próprio Kenneth Cooper, grande defensor do exercício aeróbio como única forma de atividade física saudável, disse que intercala exercícios aeróbios com exercícios de força (aqueles feitos contra uma resistência) para elevar não só massa, mas a qualidade muscular, ou seja, a capacidade de o indivíduo utilizar seus músculos quando necessário.
Drauzio - Uma coisa é dizer - você precisa correr e levantar peso - para um homem de 60 anos, magro e em boas condições físicas e outra bem diferente fazer a mesma recomendação para quem tem 80 anos e está debilitado. Como você orienta seus pacientes?
Wilson - Ou para uma senhora que nunca praticou uma atividade física sistemática, foi dona de casa e exclusivamente se ateve às tarefas domésticas. A primeira coisa que faço é mostrar para essas pessoas que existem atividades, que não o uso de medicamentos, responsáveis por sua saúde. Segundo passo: uma vez que a pessoa esteja motivada para experimentar uma atividade física como forma de promoção de saúde, é preciso explicar-lhe os tipos de exercícios que promoverão o benefício almejado. Queixa muito comum do indivíduo que envelhece é a restrição para realizar determinadas ações. Subir um degrau, o degrau do ônibus, por exemplo, é um desafio ergonômico tanto do ponto de vista de amplitude de movimentos quanto de força de impulsão. É fácil demonstrar, mesmo no consultório, que para realizar esse ato corriqueiro fazem falta força de contração muscular e amplitude articular. A pessoa que não consegue abotoar um botão nas costas, levantar os braços acima da cabeça, ou andar alguns metros, não tem simplesmente idade mais avançada. O fator idade está agravado pela falta de competência e de treinamento muscular. Os exercícios físicos promovem benefícios em curto espaço de tempo. Algumas semanas depois de ter começado a praticá-los contra uma resistência de três quilos, por exemplo, o indivíduo percebe que já dobrou a carga. Isso lhe dá a convicção de que vale a pena continuar insistindo.
Drauzio - Na verdade, o músculo continua respondendo com hipertrofia independentemente da idade que a pessoa tenha.
Wilson - Continua respondendo a vida toda. Existem evidências científicas das mais variadas para mostrar que o músculo do idoso, quando submetido a treinamento organizado, responde de forma semelhante ao do jovem. Levando em conta o patamar geralmente mais baixo em que se iniciam os exercícios, tanto do ponto de vista da função medida com o desempenho, quanto do ponto de vista histológico, pode-se dizer que o músculo do mais velho responde da mesma maneira que o do jovem. Isso não quer dizer que o idoso, que treina, ficará jovem outra vez, mas que terá um acréscimo de força e competência muscular exatamente igual ao que o jovem sedentário teria começando e mantendo o treinamento durante o mesmo período. As curvas de ascensão são absolutamente idênticas e, em algumas semanas de treinamento, o idoso poderá adquirir condições musculares ou funcionais muito superiores ao do jovem que não participou do experimento.
Drauzio - Qual o papel do exercício físico na prevenção das doenças reumatológicas, um dos problemas sérios que enfrentam as pessoas de idade avançada, que muitas vezes não conseguem abotoar a camisa e ficam dependentes dos outros?
Wilson - Um dos motivos de queixa mais freqüente nos idosos são limitações articulares associadas às dores articulares, que se misturam e acabam conhecidas popularmente pelo codinome de reumatismo. Em geral, o reumatismo no idoso depende das doenças osteoartrose e osteoartrite, responsáveis pelas dores nos joelhos, quadril, tornozelos, mãos, ombros, costas e na coluna cervical. O reumatismo tem como característica a degeneração, a perda da mobilidade articular sem que haja um processo inflamatório propriamente dito, razão pela qual o uso indiscriminado de medicamentos antiinflamatórios pode prejudicar em vez de ajudar. Trazem alívio imediato e também conseqüências muito mais graves do que a própria doença. Pergunta-se, então, o que o exercício físico faz em termos de melhora dos sintomas. Primeiro, na quase totalidade dos casos, quando realizado na juventude ou na idade adulta, impede a instalação de vícios posturais ou de uso que levarão à piora da doença no futuro. Segundo, aumenta a competência e o vigor muscular, o trofismo muscular, o que impede a manifestação da dor, embora a doença tenha se estabelecido em determinada articulação. Em outras palavras, todos os indivíduos que têm dores localizadas, quando fazem exercícios que promovem crescimento da massa muscular ao redor da articulação comprometida, desenvolvem uma estabilidade nessa articulação que lhe permitem usá-la sem dor. Portanto, a terapêutica pelo exercício, seja pela fisioterapia, seja pela atividade física a posteriori da isenção da dor, é benéfica tanto para tratamento como para prevenção de dores futuras.
Drauzio - O problema mais grave do envelhecimento talvez seja a deterioração do sistema nervoso central, a deterioração dos processos cognitivos. Você acha que, dependendo do número de anos que vivamos, todos vamos chegar a uma fase em que perderemos o contato com o mundo que nos cerca?
Wilson- Acho que não. Acho que essa situação resulta de uma doença como qualquer outra que pode acometer os indivíduos com idade mais avançada, uma vez que raramente se manifesta antes dos 60 anos. Antigamente era conhecida como esclerose cerebral - ah, fulano está esclerosado -, mas hoje existe o consenso de denominar de demência essa perda da capacidade de raciocínio advinda de uma doença, e a mais comum no nosso meio é a Doença de Alzheimer. Infelizmente ainda não conhecemos exatamente os mecanismos pelos quais se desenvolve. O fato de existir um caso na família não significa que todos vão ter o mesmo destino. Casos familiares de Alzheimer são bastante raros. Se desconhecemos as causas exatas dessa enfermidade, sabemos que existem fatores de proteção e fatores de agressão. Então, respondendo a sua pergunta. Nem todas as pessoas que envelhecem terão esse tipo de acometimento. A maioria chegará ao limite da vida gozando de plena consciência e equilíbrio mental. Hoje sabemos que quanto mais desenvolvida foi a atividade mental e intelectual, não necessariamente a escolaridade, quanto mais o indivíduo usou seu cérebro, quanto mais exercícios mentais fez, menor a probabilidade de desenvolver demência. E, se desenvolver, será postergado o início da doença. Portanto, a lei de uso e desuso também funciona neste aspecto. Por outro lado, doenças sistêmicas que acometem o organismo como um todo, são agravantes das doenças mentais. Diabetes e hipertensão mal controlados, alcoolismo, tabagismo e, especialmente, as doenças vasculares cerebrais são fatores agressores ou de risco para doenças mentais. Portanto, o caminho a seguir para evitar que nos tornemos pessoas mentalmente limitadas no futuro é cuidar da saúde continuamente, evitar que doenças crônicas permaneçam sem controle e, acima de tudo, dar ao cérebro razões e motivos para estar constantemente funcionando, mesmo depois do término das atividades profissionais. Aquele senhor que almejava vestir o pijama e ficar em casa depois da aposentadoria, ou a senhora cuja grande atividade mental é o cotidiano da cozinha ou uma sessão de tricô no fim da tarde estão permitindo que regrida a capacidade cerebral de ação entre os neurônios. Novas tarefas, novas vivências, novos projetos são sempre bem-vindos quando se trata de preservar a atividade cerebral.
Drauzio - Você poderia dar um exemplo?
Wilson - A Universidade da Terceira Idade é um grande exemplo. A maioria da nossa população com mais de 60 anos jamais teve a chance de freqüentar uma universidade, mas elas estão aí, assim como estão os Grupos de Terceira Idade e os Centros de Convivência. Nesses locais, preparados para atendê-lo, o indivíduo exercerá funções que provavelmente nunca teve oportunidade de fazê-lo. Muitas pessoas procuram a Universidade da Terceira Idade para serem alfabetizadas. Outras para fazer o curso de Geografia ou História da Arte com o qual sempre sonharam, ou uma atividade lúdica, ou uma atividade profissionalizante. Todas saem de lá com duas certezas adquiridas. Primeira: percebem que podem aprender. Aquilo que aparentava ser um período de decadência em suas vidas, na verdade não é. Existe a possibilidade de ascendência, mesmo que não tenha acontecido antes. Segunda: passam a ver o universo de maneira diferente. O ângulo de visão que era fechado abre-se para um mundo novo. Todas as formaturas de alunos da terceira idade têm mostrado esse tipo de perspectiva. O indivíduo olha para um futuro por um ângulo aberto, de uma maneira absolutamente inusitada em sua vida.
Drauzio - É comum encontrar homens e mulheres de 40 anos queixando-se da memória que falha. Isso é real ou uma impressão subjetiva? A memória tende a desaparecer com a idade?
Wilson - Antes de dizer que ela vai se modificando com a idade, é preciso deixar claro que existem várias memórias: a de longa duração, a memória imediata (eu me lembro da pergunta que você acabou de fazer para dar a resposta), a memória recente (lembro hoje a recomendação que me foi feita ontem), a memória do passado, da infância. Em geral, a que mais apresenta comprometimento com o passar da idade, independentemente de qualquer doença, é a memória para fatos imediatos. O fenômeno da demência compromete a memória, mas é uma doença que pode ser diagnosticada e tratada. O indivíduo que envelhece sem doença mental, como eu disse a grande maioria, percebe as alterações da memória. Na fase de adulto jovem, elas estão associadas mais a um déficit de atenção. O próprio reclamante afirma que para determinados fins sua memória é ótima, mas que acaba esquecendo coisas menos importantes. É um problema seletivo. Quando fazemos testes de memória nos idosos, comparando-os com os jovens, percebemos que os idosos de boa memória usam estratégias mneumônicas muito interessantes. O mais óbvio é que anotam os compromissos daquele dia: contas a pagar, compras a fazer, etc. É muito comum também estabelecerem relações que facilitam guardar determinados eventos. Por exemplo, se conhecem uma pessoa chamada Wilson, relacionam esse nome com o de um tio avô que tinha um nome parecido e não se esquecem mais dele. O jovem, por acreditar que sua memória é infalível, não usa essas regras mneumônicas e se esquece do que deveria fazer. Depois, reclama que está ficando velho, o que é absolutamente inverídico.
Drauzio - Existem exercícios para a memória?
Wilson - Existem hoje o que chamamos de clínicas de memória, onde o indivíduo é reestimulado a prestar atenção nos detalhes. O detalhe é um fator mneumônico que leva a informação a possuir uma rede de busca ampliada. Essas pequenas oficinas de memória como as que existem no Hospital das Clínicas, por exemplo, permitem ao indivíduo descobrir formas de guardar os elementos de seu cotidiano, evitando a perda de memória e o constrangimento que isso traz.
Drauzio - Essa perda de memória que vem com a idade não pode ser atribuída ao acúmulo de informações armazenadas no cérebro aos 50 anos, uma vez que aos 20 o acervo era bem menor? Wilson - Sem dúvida nenhuma o armazenamento das informações é cumulativo. Curiosamente, as adquiridas no passado são mais preservadas do que as do cotidiano, o que confirma sua idéia. Como há menos espaço, a memória precisa ser seletiva. Por isso a nova informação só passa para seu patrimônio se for realmente muito importante. Caso contrário, ou terá uso imediato ou será apagada.
Drauzio - Gostaria de ouvir sua opinião sobre os tratamentos para retardar o envelhecimento.
Wilson - Todos os tratamentos conhecidos até hoje carecem de justificativa científica. Não existe até o momento nenhum tratamento à base de remédios ou de dietas capaz de promover o retardo ou a regressão do envelhecimento. A única coisa que se conhece são os mecanismos que postergam as decrepitudes, as limitações e que favorecem o envelhecimento saudável.
Drauzio - Que conselhos você daria para as pessoas que estão passando dos 60 anos?
Wilson - Antes de mais nada, elas devem ter certeza de que vão viver muito. Nunca na história do ser humana houve a expectativa de se viver mais de 60 anos como há agora. Depois devem planejar como querem viver esse tempo e para tanto seria útil ouvir a opinião de profissionais que têm conhecimento do assunto. Por fim, é fundamental querer viver bem todos os anos que têm pela frente e não aceitar de forma passiva os acontecimentos. A chave do sucesso está em participa ativamente do processo de envelhecimento.
Wilson - A atividade física faz com que o organismo adapte-se a um patamar maior de exigência e de capacidade de resposta. Se olharmos o envelhecimento como um processo contínuo que vai da fase de desenvolvimento máximo até o fim da vida, veremos que ele se caracteriza pela limitação, pela perda progressiva da capacidade de adaptar-se, de responder a uma sobrecarga, seja do cotidiano - correr, subir uma escada, carregar um peso - seja uma sobrecarga artificial ou incomum, como uma doença ou condições climáticas excepcionais. Por isso, a gripe preocupa mais nos idosos do que nos jovens e uma onda de calor mata mais os velhos do que os moços. Na medida em que a atividade física faz com que a pessoa, apesar da idade mais avançada, consiga preservar a capacidade de adaptação funcional, seu organismo terá respostas mais próximas das encontradas nos indivíduos de menos idade, isto é, preserva-se a capacidade de dar resposta à demanda funcional.
Drauzio - Vamos considerar três décadas distintas: dos 60 aos 70, dos 70 aos 80 e acima dos 80 anos. Qual o tipo de atividade física indicada para cada uma dessas faixas etárias?
Wilson - Sua pergunta mostra a evolução do conhecimento sobre esse período da vida. Houve época em que a atividade física ideal para o idoso era nenhuma. Ele deveria ficar em repouso para preservar-se dos eventuais riscos que os exercícios pudessem trazer.
Drauzio - E para morrer do coração mais depressa.
Wilson - Do coração, de tédio ou de outra forma de doença agravada pela imobilidade. Depois, imaginou-se que o indivíduo deveria fazer exercícios que preservassem sua capacidade cardiocirculatória. Nos anos 1970, vivemos a onda dos exercícios aeróbios como os grandes responsáveis pela prevenção de doenças cardiovasculares. Já os anos 1990 e o início do século XXI mostraram que são os exercícios de força que fazem a diferença quando se fala na capacidade funcional do idoso e na prevenção de boa parte das doenças comuns nessa faixa etária. Recentemente, numa entrevista, o próprio Kenneth Cooper, grande defensor do exercício aeróbio como única forma de atividade física saudável, disse que intercala exercícios aeróbios com exercícios de força (aqueles feitos contra uma resistência) para elevar não só massa, mas a qualidade muscular, ou seja, a capacidade de o indivíduo utilizar seus músculos quando necessário.
Drauzio - Uma coisa é dizer - você precisa correr e levantar peso - para um homem de 60 anos, magro e em boas condições físicas e outra bem diferente fazer a mesma recomendação para quem tem 80 anos e está debilitado. Como você orienta seus pacientes?
Wilson - Ou para uma senhora que nunca praticou uma atividade física sistemática, foi dona de casa e exclusivamente se ateve às tarefas domésticas. A primeira coisa que faço é mostrar para essas pessoas que existem atividades, que não o uso de medicamentos, responsáveis por sua saúde. Segundo passo: uma vez que a pessoa esteja motivada para experimentar uma atividade física como forma de promoção de saúde, é preciso explicar-lhe os tipos de exercícios que promoverão o benefício almejado. Queixa muito comum do indivíduo que envelhece é a restrição para realizar determinadas ações. Subir um degrau, o degrau do ônibus, por exemplo, é um desafio ergonômico tanto do ponto de vista de amplitude de movimentos quanto de força de impulsão. É fácil demonstrar, mesmo no consultório, que para realizar esse ato corriqueiro fazem falta força de contração muscular e amplitude articular. A pessoa que não consegue abotoar um botão nas costas, levantar os braços acima da cabeça, ou andar alguns metros, não tem simplesmente idade mais avançada. O fator idade está agravado pela falta de competência e de treinamento muscular. Os exercícios físicos promovem benefícios em curto espaço de tempo. Algumas semanas depois de ter começado a praticá-los contra uma resistência de três quilos, por exemplo, o indivíduo percebe que já dobrou a carga. Isso lhe dá a convicção de que vale a pena continuar insistindo.
Drauzio - Na verdade, o músculo continua respondendo com hipertrofia independentemente da idade que a pessoa tenha.
Wilson - Continua respondendo a vida toda. Existem evidências científicas das mais variadas para mostrar que o músculo do idoso, quando submetido a treinamento organizado, responde de forma semelhante ao do jovem. Levando em conta o patamar geralmente mais baixo em que se iniciam os exercícios, tanto do ponto de vista da função medida com o desempenho, quanto do ponto de vista histológico, pode-se dizer que o músculo do mais velho responde da mesma maneira que o do jovem. Isso não quer dizer que o idoso, que treina, ficará jovem outra vez, mas que terá um acréscimo de força e competência muscular exatamente igual ao que o jovem sedentário teria começando e mantendo o treinamento durante o mesmo período. As curvas de ascensão são absolutamente idênticas e, em algumas semanas de treinamento, o idoso poderá adquirir condições musculares ou funcionais muito superiores ao do jovem que não participou do experimento.
Drauzio - Qual o papel do exercício físico na prevenção das doenças reumatológicas, um dos problemas sérios que enfrentam as pessoas de idade avançada, que muitas vezes não conseguem abotoar a camisa e ficam dependentes dos outros?
Wilson - Um dos motivos de queixa mais freqüente nos idosos são limitações articulares associadas às dores articulares, que se misturam e acabam conhecidas popularmente pelo codinome de reumatismo. Em geral, o reumatismo no idoso depende das doenças osteoartrose e osteoartrite, responsáveis pelas dores nos joelhos, quadril, tornozelos, mãos, ombros, costas e na coluna cervical. O reumatismo tem como característica a degeneração, a perda da mobilidade articular sem que haja um processo inflamatório propriamente dito, razão pela qual o uso indiscriminado de medicamentos antiinflamatórios pode prejudicar em vez de ajudar. Trazem alívio imediato e também conseqüências muito mais graves do que a própria doença. Pergunta-se, então, o que o exercício físico faz em termos de melhora dos sintomas. Primeiro, na quase totalidade dos casos, quando realizado na juventude ou na idade adulta, impede a instalação de vícios posturais ou de uso que levarão à piora da doença no futuro. Segundo, aumenta a competência e o vigor muscular, o trofismo muscular, o que impede a manifestação da dor, embora a doença tenha se estabelecido em determinada articulação. Em outras palavras, todos os indivíduos que têm dores localizadas, quando fazem exercícios que promovem crescimento da massa muscular ao redor da articulação comprometida, desenvolvem uma estabilidade nessa articulação que lhe permitem usá-la sem dor. Portanto, a terapêutica pelo exercício, seja pela fisioterapia, seja pela atividade física a posteriori da isenção da dor, é benéfica tanto para tratamento como para prevenção de dores futuras.
Drauzio - O problema mais grave do envelhecimento talvez seja a deterioração do sistema nervoso central, a deterioração dos processos cognitivos. Você acha que, dependendo do número de anos que vivamos, todos vamos chegar a uma fase em que perderemos o contato com o mundo que nos cerca?
Wilson- Acho que não. Acho que essa situação resulta de uma doença como qualquer outra que pode acometer os indivíduos com idade mais avançada, uma vez que raramente se manifesta antes dos 60 anos. Antigamente era conhecida como esclerose cerebral - ah, fulano está esclerosado -, mas hoje existe o consenso de denominar de demência essa perda da capacidade de raciocínio advinda de uma doença, e a mais comum no nosso meio é a Doença de Alzheimer. Infelizmente ainda não conhecemos exatamente os mecanismos pelos quais se desenvolve. O fato de existir um caso na família não significa que todos vão ter o mesmo destino. Casos familiares de Alzheimer são bastante raros. Se desconhecemos as causas exatas dessa enfermidade, sabemos que existem fatores de proteção e fatores de agressão. Então, respondendo a sua pergunta. Nem todas as pessoas que envelhecem terão esse tipo de acometimento. A maioria chegará ao limite da vida gozando de plena consciência e equilíbrio mental. Hoje sabemos que quanto mais desenvolvida foi a atividade mental e intelectual, não necessariamente a escolaridade, quanto mais o indivíduo usou seu cérebro, quanto mais exercícios mentais fez, menor a probabilidade de desenvolver demência. E, se desenvolver, será postergado o início da doença. Portanto, a lei de uso e desuso também funciona neste aspecto. Por outro lado, doenças sistêmicas que acometem o organismo como um todo, são agravantes das doenças mentais. Diabetes e hipertensão mal controlados, alcoolismo, tabagismo e, especialmente, as doenças vasculares cerebrais são fatores agressores ou de risco para doenças mentais. Portanto, o caminho a seguir para evitar que nos tornemos pessoas mentalmente limitadas no futuro é cuidar da saúde continuamente, evitar que doenças crônicas permaneçam sem controle e, acima de tudo, dar ao cérebro razões e motivos para estar constantemente funcionando, mesmo depois do término das atividades profissionais. Aquele senhor que almejava vestir o pijama e ficar em casa depois da aposentadoria, ou a senhora cuja grande atividade mental é o cotidiano da cozinha ou uma sessão de tricô no fim da tarde estão permitindo que regrida a capacidade cerebral de ação entre os neurônios. Novas tarefas, novas vivências, novos projetos são sempre bem-vindos quando se trata de preservar a atividade cerebral.
Drauzio - Você poderia dar um exemplo?
Wilson - A Universidade da Terceira Idade é um grande exemplo. A maioria da nossa população com mais de 60 anos jamais teve a chance de freqüentar uma universidade, mas elas estão aí, assim como estão os Grupos de Terceira Idade e os Centros de Convivência. Nesses locais, preparados para atendê-lo, o indivíduo exercerá funções que provavelmente nunca teve oportunidade de fazê-lo. Muitas pessoas procuram a Universidade da Terceira Idade para serem alfabetizadas. Outras para fazer o curso de Geografia ou História da Arte com o qual sempre sonharam, ou uma atividade lúdica, ou uma atividade profissionalizante. Todas saem de lá com duas certezas adquiridas. Primeira: percebem que podem aprender. Aquilo que aparentava ser um período de decadência em suas vidas, na verdade não é. Existe a possibilidade de ascendência, mesmo que não tenha acontecido antes. Segunda: passam a ver o universo de maneira diferente. O ângulo de visão que era fechado abre-se para um mundo novo. Todas as formaturas de alunos da terceira idade têm mostrado esse tipo de perspectiva. O indivíduo olha para um futuro por um ângulo aberto, de uma maneira absolutamente inusitada em sua vida.
Drauzio - É comum encontrar homens e mulheres de 40 anos queixando-se da memória que falha. Isso é real ou uma impressão subjetiva? A memória tende a desaparecer com a idade?
Wilson - Antes de dizer que ela vai se modificando com a idade, é preciso deixar claro que existem várias memórias: a de longa duração, a memória imediata (eu me lembro da pergunta que você acabou de fazer para dar a resposta), a memória recente (lembro hoje a recomendação que me foi feita ontem), a memória do passado, da infância. Em geral, a que mais apresenta comprometimento com o passar da idade, independentemente de qualquer doença, é a memória para fatos imediatos. O fenômeno da demência compromete a memória, mas é uma doença que pode ser diagnosticada e tratada. O indivíduo que envelhece sem doença mental, como eu disse a grande maioria, percebe as alterações da memória. Na fase de adulto jovem, elas estão associadas mais a um déficit de atenção. O próprio reclamante afirma que para determinados fins sua memória é ótima, mas que acaba esquecendo coisas menos importantes. É um problema seletivo. Quando fazemos testes de memória nos idosos, comparando-os com os jovens, percebemos que os idosos de boa memória usam estratégias mneumônicas muito interessantes. O mais óbvio é que anotam os compromissos daquele dia: contas a pagar, compras a fazer, etc. É muito comum também estabelecerem relações que facilitam guardar determinados eventos. Por exemplo, se conhecem uma pessoa chamada Wilson, relacionam esse nome com o de um tio avô que tinha um nome parecido e não se esquecem mais dele. O jovem, por acreditar que sua memória é infalível, não usa essas regras mneumônicas e se esquece do que deveria fazer. Depois, reclama que está ficando velho, o que é absolutamente inverídico.
Drauzio - Existem exercícios para a memória?
Wilson - Existem hoje o que chamamos de clínicas de memória, onde o indivíduo é reestimulado a prestar atenção nos detalhes. O detalhe é um fator mneumônico que leva a informação a possuir uma rede de busca ampliada. Essas pequenas oficinas de memória como as que existem no Hospital das Clínicas, por exemplo, permitem ao indivíduo descobrir formas de guardar os elementos de seu cotidiano, evitando a perda de memória e o constrangimento que isso traz.
Drauzio - Essa perda de memória que vem com a idade não pode ser atribuída ao acúmulo de informações armazenadas no cérebro aos 50 anos, uma vez que aos 20 o acervo era bem menor? Wilson - Sem dúvida nenhuma o armazenamento das informações é cumulativo. Curiosamente, as adquiridas no passado são mais preservadas do que as do cotidiano, o que confirma sua idéia. Como há menos espaço, a memória precisa ser seletiva. Por isso a nova informação só passa para seu patrimônio se for realmente muito importante. Caso contrário, ou terá uso imediato ou será apagada.
Drauzio - Gostaria de ouvir sua opinião sobre os tratamentos para retardar o envelhecimento.
Wilson - Todos os tratamentos conhecidos até hoje carecem de justificativa científica. Não existe até o momento nenhum tratamento à base de remédios ou de dietas capaz de promover o retardo ou a regressão do envelhecimento. A única coisa que se conhece são os mecanismos que postergam as decrepitudes, as limitações e que favorecem o envelhecimento saudável.
Drauzio - Que conselhos você daria para as pessoas que estão passando dos 60 anos?
Wilson - Antes de mais nada, elas devem ter certeza de que vão viver muito. Nunca na história do ser humana houve a expectativa de se viver mais de 60 anos como há agora. Depois devem planejar como querem viver esse tempo e para tanto seria útil ouvir a opinião de profissionais que têm conhecimento do assunto. Por fim, é fundamental querer viver bem todos os anos que têm pela frente e não aceitar de forma passiva os acontecimentos. A chave do sucesso está em participa ativamente do processo de envelhecimento.
postado por: Julia Horita
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